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Madalenas

Atualizado: 16 de mar. de 2021

Na linhagem feminina da minha família, minha geração foi a primeira a não ter nenhuma madalena. Minha avó e minha própria mãe foram, pelo menos por um período de tempo da vida delas, madalenas. Elas foram dadas aos cuidados de parentes próximas, muito generosas, que trocariam o prato de comida pelos serviços da criança que já é mocinha. Certamente algumas tias também viveram isso, uma vez que meus avós, com oito filhos, nem sempre tiveram condições de cuidar de todos.


Quantas madalenas vocês conhecem? Com quantas histórias de meninas que foram "adotadas" por famílias mais ricas do que as delas para "ajudarem" nos serviços de casa vocês cruzaram na vida? Talvez, a quantidade de histórias próximas seja uma forma de medir nossos privilégios. Quanto menos histórias temos, mais privilegiadas somos. Mais ainda, se nós mesmas não passamos por isso, já podemos cantar grande vitória. Se podemos "apenas" brigar por um espaço no mercado de trabalho, devemos comemorar.


Isso porque o feminismo que nos ensinaram a fazer parte (europeu e branco) reivindica o direito das mulheres de liberdade e de serem quem elas quiserem. Veja só, enquanto o papel branco de gênero feminino é de mãe/filha/esposa, o papel guardado para as meninas negras é o de serviçal. Elas não têm o direito de brincar e sonhar com um futuro. Não há tempo, é preciso acordar cedo para fazer o café da família. Família essa que a vê como "quase parte dela", mas essa parte está mais próxima de ser como uma mobília da casa do que como um dos seus. A luta destas meninas é de serem vistas como são: meninas.


Ler a história da Madalena me faz lembrar que minhas conquistas não são só minhas. A cada passo à frente que dou, trago minhas mulheres comigo. Elas estavam comigo na primeira boneca que tive; nos livros que pude ler; nos documentos que assinei como advogada; nos títulos de mestra e doutora. Que fique para sempre registrado que as chibatas e os banhos de água salgada já não fazem parte mais da nossa vida. Agora é tempo de liberdade e de decidir os caminhos a trilhar.


Bença mãe, tias, vós, bisavós, trisavós... É com teu "Deus te abençoe" que eu, mesmo não crendo neste deus que nos obrigaram a acreditar, sigo minha jornada com a confiança que vai dar tudo certo. A esperança vence a cada madalena voando livre... sonhando livre, brincando com a boneca que na infância nunca pôde ter.


Edit: Para quem não pegou a referência da Madalena,clica aqui.



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