As políticas públicas e o Racismo: políticas de cotas nas universidades
(Texto apresentado no evento "Políticas Públicas e o Racismo: diálogos sobre raça" do Centro de Estudos Avançados da UFPE. Com alterações.)
Na tentativa de combate ao racismo, o estado brasileiro tem apostado em ações afirmativas como forma de reparação histórica. Para bem entender, vou utilizar um conceito que entende ações afirmativas “como políticas públicas amparadas pelo conceito de igualdade material e pelo princípio da isonomia: o igual deve ser tratado igualmente e o desigual desigualmente, na medida exata de sua diferença” (Carvalho; Angelo, 2018, p. 241). Políticas Públicas são um conjunto de ações e decisões do governo, voltadas para a solução (ou não) de problemas da sociedade.
Uma das políticas públicas definidas nesse sentido foram as cotas raciais ou reserva de vagas para universidades. Muita gente já falou sobre isso, pouca gente entende do que está falando realmente. Quero deixar registrado logo que eu sou absolutamente a favor de ações afirmativas como cotas e reserva de vagas. Nas graduações, a lei que regulamenta esse tipo de ação afirmativa é de 2012, Lei n. 12.711, de 29 de agosto de 2012 (BRASIL, 2012), depois ela foi substituída pela Lei n. 13.409 (BRASIL, 2016), que incluiu no rol de beneficiários as pessoas com deficiência.
Esse texto é para relembrar que ano que vem, possivelmente, teremos revisão da lei de 2012 e é possível que o processo ande para trás. Por isso, precisamos entender o cenário e compreender o que são essas ações afirmativas.
As cotas ou reservas de vaga são conhecidas também como “política de presença”, significando que o que elas trazem é um aumento do número de pessoas daquelas determinadas “categorias identitárias", mas que não têm necessariamente uma função de continuidade ou de permanência na instituição. Por isso, é importante associar às políticas de presença, políticas de permanência como bolsas de estudo, vale transporte, restaurante universitário.
Outra política importante que vem sendo discutida de forma mais importante dentro das universidades é aquela que pensa uma prática pedagógica direcionada à equidade racial na universidade. Não basta incluir pessoas negras nas universidades, precisa-se também empretecer o ensino, a pesquisa e a extensão. A nossa formação de conhecimento é branca, europeia, colonial. Isso atravessa todas as áreas de conhecimento, desde a medicina, passando pelo direito, história até… engenharia, provavelmente.
Pensando em uma conjuntura perfeita teríamos: política de presença (cotas e reserva de vagas) + política de permanência (bolsas) + prática pedagógica antirracista.
Apenas as políticas de presença e a existência de bolsas já trouxeram um aumento considerável de alunos negros para a universidade. Agora, a universidade não se faz apenas de estudantes. Quando subimos os degraus da hierarquia, mesmo olhando para os melhores anos das nossas universidades, nós vemos uma queda significativa de estudantes negros e negras na pós-graduação; depois uma gigantesca queda na quantidade de professores negras e negros e, daí, quanto maior o nível de qualificação e senioridade, pior.
Na pós-graduação, as ações afirmativas demoraram para ser implantadas. Somente em 2016, a Portaria Normativa do MEC (n. 13/2016), determinou que todas as instituições federais de ensino superior deveriam enviar propostas de inclusão de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência em seus programas de pós-graduação.
Alguns programas já tinham editais com reserva de vagas ou cotas, especialmente programas de direitos humanos, mas muitos ainda não têm. Para piorar, na maioria dos programas, sabe-se que a seleção é elitista, privilegiando quem tem uma língua estrangeira, quem desenvolveu pesquisa na graduação. O cenário piora quando sabemos que temos cada vez menos dinheiro para a ciência, significando menos bolsas para quem já está na pós e nenhuma para quem quer entrar.
As bolsas de pós-graduação hoje são pagas nos valores de 1500 reais para mestrado e 2200 para doutorado. Há anos sem reajustes. A realidade é que os pesquisadores que recebem bolsa mesmo assim não têm condições de sobreviver apenas delas, dedicando parte do seu tempo para trabalhar paralelamente ou, quando podem, vivendo com a ajuda de familiares.
Mesmo com o terrível cenário das universidades brasileiras hoje, não podemos deixar de lutar e forçar a mudança. Foi a força dos mais diversos grupos de pressão da sociedade que fizeram universidades tirarem do papel seus editais gerais de ações afirmativas para as pós-graduações. Será a força da sociedade e dos grupos de representação negra, indígena, quilombola que mudará o cenário político atual. Eu não tenho dúvidas. Por tudo isso, espaços de diálogos são importantes, mas eles precisam acontecer todos os meses, em todos os lugares. Não apenas em novembro.
É imprescindível derrubar o pilar racista que sustenta nossa sociedade para um futuro mais justo em todos os sentidos.